A BHTrans será extinta, mas nossos problemas acabaram?
Texto originalmente publicado na coluna Busão Nosso de Cada Dia no Brasil de Fato MG
Foi votado, no último dia 27, no segundo turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte o Projeto de Lei 160/2021 que extingue a BHTrans e cria em seu lugar a Superintendência de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte (Sumob). Tudo resolvido, então? A tarifa vai diminuir, a qualidade do transporte vai melhorar, acabou o trânsito? Responsáveis pelas irregularidades encontradas pela CPI serão punidos? Adoraríamos dizer que “sim, é isso mesmo”. Infelizmente, porém, esse não é um bom dia para o transporte. Mas vamos por partes.
Extinguir a BHTrans, uma empresa pública de economia mista, e criar a Sumob, uma autarquia, em termos de sistema de ônibus, não faz NENHUMA diferença. A tarifa vai continuar a mesma, assim como a gestão, os empresários, tudo. A nova lei não muda ou incide no contrato de concessão do transporte, celebrado entre a prefeitura e as empresas concessionárias. A BHTrans, no contrato, é indicada como órgão fiscalizador. Com a nova lei essa competência deverá passar para a Sumob.
O dinheiro do sistema está nas mãos das empresas, assim como a bilhetagem eletrônica, e assim continuará, porque a lei não aborda essas questões. Do mesmo modo, apesar das irregularidades (CRIMES) descobertas pela CPI da BHTrans, os empresários que operam o sistema continuam os mesmos. A lei mantém o fundo para subsidiar a tarifa, o que é uma coisa boa, mas não há nada escrito sobre de onde esse dinheiro deveria vir. Ou seja, seguimos sem subsídio, com a mesma fórmula de reajuste anual da tarifa – que, inclusive, vem aí.
A nova lei, que era inócua no sentido de resolver os problemas de transporte coletivo da cidade, se tornou nociva, ao rejeitar a emenda que garantia os direitos dos trabalhadores da BHTrans. Isso porque, como empresa de economia mista, a BHTrans fazia concurso e contratava via CLT, enquanto na nova autarquia os servidores serão estatutários. A emenda previa que os trabalhadores fossem realocados em outras empresas municipais, como a Belotur ou a Prodabel. Sem a emenda, que foi rejeitada, isso não acontecerá e mais de mil famílias estão em situação de insegurança sobre seu futuro.
Este movimento, o Tarifa Zero, não vai gastar uma linha de texto sequer fingindo ter uma boa relação com a BHTrans. Não temos, nunca tivemos. O que ficou evidente na CPI, porém, é que as consequências de escolhas ruins da diretoria, ou seja, de cima, de quem é nomeado politicamente, estão recaindo sobre os trabalhadores que nada têm a ver com isso. A inépcia da BHTrans em lidar com a pressão dos empresários, para não dizer coisa pior, é um problema político, logo, de quem está acima. Isso não vai mudar com a Sumob.
Para mudar de verdade a situação do transporte coletivo em BH precisamos de duas coisas: subsídio, para que os mais pobres, pagadores da passagem, não banquem o sistema sozinhos, e outra forma de gestão da mobilidade com um novo contrato, para que não fique na mão dos empresários, como acontece hoje.
Essas são coisas possíveis de mudar. A prefeitura tinha, inclusive, começado um comitê para avançar nessas questões, mas ele foi suspenso, ao que parece, por conta de brigas e disputas políticas. A prefeitura alega que a suspensão se deve à investigação do Ministério Público de Minas Gerais que, no mês passado, pediu a anulação do processo licitatório de 2008, diante de evidências robustas de fraude e conluio (CRIMES). A ação movida pelo MP alega ainda que a operação do sistema de transporte coletivo vem sofrendo violações dos deveres legais e falta de transparência por parte das empresas concessionárias. Fatos que, por sinal, o Tarifa Zero BH denuncia há anos.
Fica aqui nosso apelo à prefeitura, à câmara e ao MPMG: vocês têm os instrumentos para mudar a situação em que estamos. Façam isso de verdade, não apenas de fachada.
Um transporte de qualidade, que seja um instrumento de democratização da cidade e seus espaços, está ao nosso alcance. A briga com os empresários é dura, sabemos. Mas podemos ganhar. A cidade pode se tornar um exemplo em transporte de qualidade, garantindo subsídios, gestão transparente e controle social. Vamos fazer acontecer?