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Texto originalmente publicado na coluna Busão Nosso de Cada Dia do Brasil de Fato Minas Gerais

Ano de 2008. Início do contrato de concessão do transporte coletivo de passageiros de Belo Horizonte. A frota disponibilizada pelas empresas era de 3.048 ônibus. Dez anos depois, em 2018, o número era de 2.857. Ao longo de 2020, ano em que passamos a enfrentar a pandemia da covid-19, observamos a frota ser reduzida para 2.364 ônibus, quase 500 ônibus a menos.

Estamos em 2021. A vacina finalmente chegou e, com ela, a retomada gradual do trabalho, serviços e lazer de forma presencial. Rotinas voltando ao normal para a maioria da população. No transporte público, porém, nada mudou. Continuamos observando a precarização do serviço e os abusos dos empresários, a frota de Belo Horizonte permanece no nível de 2020. A justificativa das empresas é sempre a mesma: prejuízo. Reduzem seus custos e aumentam seus lucros. Como consequência para a população, aumento do tempo de espera e a lotação dos ônibus.

Desde o início da pandemia, as empresas de ônibus receberam mais de 60 mil autuações por descumprimento das diretrizes sanitárias e de operação mínima durante o período de restrição, totalizando uma dívida de mais de R$ 35 milhões. Quanto desse valor foi pago? Zero! Vale lembrar que, antes disso, as empresas acumulavam mais de 15 mil autuações por ausência de cobradores, somando mais de R$ 10 milhões devidos em multas. Ah, mas pelo menos essas foram pagas, né? Não! Nenhuma. Mostramos que, somente em um ano, as empresas lucraram mais de R$ 200 milhões pela retirada ilegal dos cobradores.

Voltemos à 2021. Em setembro, a Prefeitura de Belo Horizonte publicou o Decreto 17.709, obrigando as empresas a apresentarem um plano de recomposição da frota, considerando a retomada das atividades e o aumento da demanda por viagens. Segundo a BHTrans, um plano foi apresentado e rejeitado, mas ainda há prazo legal para nova apresentação (27/10) de acordo com a Portaria 95/2021 do órgão. Para cumprirem as exigências, as empresas pedem na Justiça para colocar 460 ônibus com mais de 10 anos de uso para circular, o que é vedado pelo contrato. Mas, como sabemos, elas sempre dão um jeitinho de burlar os acordos e lucrar mais.

Além do que sempre defendemos para mudar a realidade do transporte público – queda do contrato e subsídio –, acreditamos que transparência e controle popular também são essenciais. Visando isso, temos a alegria de compartilhar a ferramenta Cadê Meu Busão – monitoramento da oferta de ônibus de Belo Horizonte, lançada recentemente em nosso site. Foram meses de trabalho desde 2020 aguardando a estabilidade da fonte dos dados disponíveis no portal de dados abertos da BHTRANS. Mas agora está no ar!

Com ela, é possível verificar a frota atual, quantos ônibus circulam em tempo real (total ou por linha), além do histórico por dia e hora. Sabemos, por exemplo, que, na maioria dos dias típicos, em horários fora do pico, a frota circulante não chega nem a 50%. Ou seja, aquele número reduzido é ainda menor. Sabe aquele médico que você chegou atrasado à tarde por causa do busão? Tem que trabalhar no final de semana? Vixe, aí a situação é ainda pior. A média diária da frota circulante não chega nem a 30%. 

Como sabemos tudo isso? 

A ferramenta foi criada a partir da disponibilização das informações de GPS dos ônibus, chamado de Tempo Real Ônibus. Esse conjunto de dados contém as coordenadas dos ônibus do sistema convencional, atualizadas a cada 20 segundos, além de outras informações como linha, sentido, horário e número do veículo. Para não falar que só criticamos a BHTrans, vale elogiá-la por também disponibilizar os chamados dados de GTFS do sistema convencional. Diferentemente dos dados de GPS, que representam a situação real do sistema, os dados de GTFS (sigla em inglês para Especificação Geral sobre Feeds de Transporte Público) são um conjunto que representam o planejamento da operação do sistema.

Esse formato de dados de transporte surgiu em 2005, na cidade de Portland, nos Estados Unidos. Dois gerentes do departamento de tecnologia e informações da agência pública local de trânsito, Bibiana McHugh e Tim McHugh, juntaram suas inquietações com as do engenheiro de software da Google, Chris Harrelson. Por que ter rotas de transporte coletivo na internet não pode ser tão simples quanto rotas de transporte individual? Juntos, eles desenvolveram a primeira ideia do padrão de dados que viria a fazer parte do Google Trânsito. O sistema evoluiu rapidamente e foi adotado em outros locais. Atualmente, mais de 2,5 mil agências de trânsito em 55 países disponibilizam dados de transporte no formato GTFS, segundo a Transitland.

Hoje, consultando o aplicativo SIU Mobile ou mesmo um site no celular é possível saber horários e rotas de transporte público graças também a esse formato de dados. Mais louvável ainda é que ele foi pensado para ser aberto e compartilhado e, portanto, seus arquivos são simples e fáceis de consultar. Mais do que uma estrutura de dados, ele é uma ferramenta de informação, planejamento e participação popular.

Nesse sentido, cabe aqui elogiar outro órgão de trânsito. A Secretaria Municipal de Transporte do Rio de Janeiro anunciou neste mês que começará a aplicar multas automáticas às empresas de lá caso não operem de acordo com a frota prevista para cada linha por dia e horário. Essa política se baseia justamente nos dados de GPS e GTFS do sistema do município.

Bom, multas não valem muita coisa para as empresas de Belo Horizonte. Elas não pagam mesmo. Mas também não somos responsáveis por fiscalizar e multá-las. Nosso desejo é que a ferramenta Cadê Meu Busão seja utilizada para a fiscalização popular, facilitando a transparência dessas informações e a cobrança de melhorias por parte da sociedade. Estamos de olho.